domingo, 13 de dezembro de 2015

Problemas no paraíso

de João Gomes Martins
Este breve comentário é-me sugerido pela publicação do último livro de Frédéric LORDON “On achève bien les grecs : Chroniques de l’euro 2015”, 25 Novembre 2015 e pela tomada de posse do novo governo português. Muita gente, entre a qual eu me incluo, congratula-se com o afastamento do anterior governo da direita, que foi certamente um dos mais conservadores da recente história política de Portugal. Até aqui tudo bem. E a seguir? Talvez devamos começar pelo título de um dos últimos livros de Slovoj ZIZEK “Problemas no paraíso” (traduzido pela Bertrand Editora, 2015). Será que já esquecemos o que aconteceu ao governo grego do partido Syriza? Não revelou o caso grego que a União europeia não só despreza a vontade democrática e soberana dos povos como é capaz de castigar severamente quem se lhe oponha? Quem ainda não percebeu que o código de compatibilidade com as actuais instituições europeias se resume à estrita aceitação das chamadas políticas de austeridade neoliberais, à sujeição absoluta aos actuais tratados e à vassalagem inquestionável ao instrumento militar dos EUA no mundo, a Nato? Derrotar a direita portuguesa e o seu indefectível apoio, o actual Presidente da República, não passou de uma gentil escaramuça comparado com o embate que se adivinha com a União Europeia. E aqui as possíveis estratégias não são numerosas. Ou se aceita defrontar abertamente as autoridades europeias ou então deve-se assumir uma nova capitulação em toda a linha como aconteceu na Grécia. Esta situação não admite esquivas retóricas nem tergiversações quanto ao posicionamento político. A ambiguidade que uma grande parte da esquerda manteve durante muito tempo quanto a essa questão é na situação actual a sua principal debilidade. Não se enfrenta um adversário começando por declarar-lhe que o amamos e o odiamos ao mesmo tempo. O actual governo apresenta-se como o soldado que em pleno combate avança com uma bandeira branca, esperando que o adversário fará uma pausa para conversar com ele e que está disposto a ouvir as suas queixas e argumentos. Do outro lado o objectivo é claro e definitivo. Qualquer oponente deverá render-se incondicionalmente à totalidade das suas exigências. A retórica, a ambiguidade, o evitar do confronto são absolutamente fatais numa situação como esta. O que esperar da situação? Penso que o mais provável será uma humilhação que ainda fragilizará mais a posição dos partidos que agora apoiam o novo governo. Este combate é composto por dois rounds. O primeiro foi ganho porque se lutou com um amador, no fundo bem pouco armado e no âmbito nacional aonde apesar de tudo a voz do povo ainda se consegue ouvir. O segundo round é contra o verdadeiro adversário, pois a direita portuguesa não passa de uma sua pequena delegação local num pequeno país situado num canto da península ibérica. Quanto ao segundo adversário não só dispõe de todo o armamento como é absolutamente imune a toda a interferência democrática. Na Grécia assistiu-se a um massacre. Portanto o que esperar? Só vislumbro dois desfechos possíveis. Uma humilhação em toda a linha, uma espécie de governo colaboracionista ou uma cisão desse governo, um pouco como aconteceu igualmente na Grécia, com uma fação a render-se, recordando o governo do marechal francês Pétain e do governo de Vichy, e a outra fação a assumir o combate no Maquis. A guerra começa a perder-se, antes mesmo de se iniciarem as hostilidades, por uma falta de identificação do adversário (um pouco como Carl Schmitt definia a política como a relação amigo/inimigo). A presente situação política penso que se singulariza, se comparada com o período precedente entre o fim da segunda Grande Guerra e os fins dos anos setenta e princípios dos anos oitenta do século passado, por uma necessidade imperiosa de identificar claramente o adversário político e em consequência assumir a disposição de o defrontar expressa e convictamente. A situação actual, no contexto da União europeia, não fornece margem para compromissos mais ou menos fáceis e argumentados ou racionais. Enfrentar a União Europeia é uma tarefa séria e não isenta de vários dissabores pelo menos no curto prazo. Pessoalmente assumo a necessidade desse enfrentamento sem desconhecer os riscos e as perturbações implicados por tal gesto. Mas a política verdadeira, rara e sequencial, nunca foi uma reunião para se tomar amigavelmente um chã acompanhado de uns biscoitos. A política verdadeira é e sempre foi um combate, o que não quer dizer necessariamente um enfrentamento armado, que implica convicção, determinação e a disponibilidade para correr certos riscos. Quem não está disposto a fazê-lo é preferível que se resigne, ainda que recorra ao Ersatz, sempre benéfico para a alma, de uma retórica inflamada e discursos ambíguos que só enganam quem os profere.

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