sábado, 20 de fevereiro de 2016

Pacheco Pereira, a quadratura do círculo de António Costa, e aquilo que importa fazer

Por estes dias, Pacheco Pereira está a ser um dos nossos mais lúcidos comentadores políticos. Não obstante o que me possa separar de alguns dos seus posicionamentos ideológicos, o facto é que não consigo deixar de subscrever o essencial das críticas e das advertências que ele tem feito relativamente ao governo de António Costa e aos partidos que o apoiam. Como na crónica que saiu na edição de hoje do «Público». Na óptica de Pacheco Pereira, António Costa está a viver uma experiência em tudo idêntica à do Syriza na Grécia, padecendo da mesma contradição de fundo: querer uma política anti-austeritária e, ao mesmo tempo, manter um compromisso integral com o Tratado Orçamental e com o colete de forças inerente às regras da moeda única. Ainda por cima tendo de se confrontar com uma Comissão Europeia inteiramente dominada por uma aliança entre a direita neoliberal e uma social-democracia em colapso ideológico, ambas alinhadas com o género de ideias postas em prática pelo governo do PSD-CDS e que, por isso mesmo, tudo farão para minar qualquer política empenhada em "virar a página da austeridade" e em mostrar que, mesmo dentro do respeito pelas normas comunitárias, é possível uma alternativa, por tímida que seja, à tese do "não há alternativa".  
A verdade é que está tudo montado para que o governo de António Costa falhe clamorosamente e abra assim o retorno da direita ao poder, essa mesma direita com que os burocratas de Bruxelas se identificam à maneira de membros de um mesmo clube. Falta, contudo, a Pacheco Pereira ir até ao fim dos seus argumentos. Se, como ele tem dito noutras ocasiões, as actuais regras da União Europeia e da Zona Euro distorcem as democracias nacionais ao imporem um único modelo de governação com uma só política económico-financeira, e se existe um notório défice de soberania nacional, então o corolário é que essa distorção e esse défice apenas poderão ser superados no quadro de uma ruptura com a moeda única e, possivelmente, com a própria União Europeia. Mas Pacheco Pereira não ousa ir tão longe.
Aos que se atrevem a defender uma tal solução, aos que ousam verbalizar aquilo que nem os Pachecos Pereiras admitem, cabe, contudo, um dever maior: o de pensar e expor publicamente, em detalhe, todas as implicações, todos os ganhos - mas também todos os riscos - que um corte com o euro (e, eventualmente, com a UE) acarretariam para um país como Portugal. Esse trabalho está ainda por fazer, mesmo que tenha sido esboçado no livro que Francisco Louçã e Ferreira do Amaral escreveram em conjunto - livro que, aliás, parte do pressuposto demasiado optimista de que a referida ruptura poderia ser negociada com os poderes de Bruxelas e que, portanto, não seria instaurada de forma unilateral. No momento actual, parece que a ecologia política em que nos movemos torna impensável semelhante saída. Mas se, como infelizmente tudo indica, vamos ter uma nova crise económica global a bater-nos à porta, podemos estar certos de que o abandono do euro vai regressar à agenda das alternativas. E urge estarmos preparados para reagir ao que será - não tenhamos dúvidas - um reforço do ataque aos direitos sociais de quem trabalha se um tal cenário se vier a concretizar.   

1 comentário:

  1. A situação é muito mais periclitante do que em 2011/2012. Penso que o Euro está realmente ameaçado de morte, não apenas pela monstruosa construção da «moeda única» em si, mas a enorme transformação (regressiva) dos países, a pretexto de se «acomodarem» às novas regras da moeda única.
    A moeda é também a cristalização duma relação de poder. Neste caso detido por uma entidade supra-nacional, não submetida a plebiscito popular. Estamos perante uma ditadura. Isto é a realidade (com 15 anos!) para a qual os povos estão a acordar. Quando a crise bater no fundo, o euro desaparece, tenho a certeza. Mas será muito conflituoso pois será no quadro de uma fragmentação da própria UE.
    O projecto europeísta será derrotado e haverá grande perigo de guerra(s) intra-europeia.

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